Desde os quatro anos
que danço e desde que fiz a minha primeira aula nunca mais parei!
Acredito que nascemos
com certos dons e eu tive a sorte de descobrir o meu bem cedo... o dom de me
expressar através da dança.
Não tem sido um caminho
fácil.
Pessoalmente, tem sido
um processo que já vem de pequena e acho que vai continuar para o resto da
minha vida. Tudo começou com o Ballet.
Eu simplesmente só não
gostava desta dança, eu ADORAVA o Ballet, eu respirava Ballet, só pensava
nisso. A minha obessessão era tão grande que pedia bonecas com temáticas de
bailarina, compravam-me livros sobre a dança onde fica horas a ver as fotos dos
bailarinos, tive uma verdadeira fixação por sapatilhas de pontas ao ponto de
pedir a toda a gente que me comprassem umas mesmo ainda não tendo idade para
usá-las, enfim... era o meu mundo e sempre desde pequena me lembro de dizer que
queria ser bailarina.
Como puderam ler nas
"As Minhas Memórias parte 1" comecei cedo com as aulas no colégio que
frequentava, e já de pequena me sacrificava em prol da dança. Na aula absorvia
tudo o que me ensinavam e lembro-me de me esforçar ao máximo. Desde cedo tive
consciência que só se consegue alguma coisa na dança trabalhando muito, não
bastando o talento, trabalhava o triplo das outras pois percebi também que
infelizmente ou felizmente, não tinha corpo para bailarina clássica.
Como todos sabem, para
ser bailarina clássica ou se nasce com o corpo ou não. E eu não o tinha, e
durante os 16 anos que pratiquei ballet foi uma luta constante com isso e muita
desilusão tive, mas também algumas recompensas, vou-vos contar as lembranças
que mais me marcaram:
- Lembro-me que as
aulas eram no intervalo do almoço, antes de comer, ia para a aula e via as
outras a correr para irem almoçar e de seguida irem brincar. Eu ficava sem a
brincadeira, mas não me importava, a minha distracção era a dança.
- Era sempre eu que
queria fazer ballet: lembro-me que quando tinha 11, 12 anos podíamos alternar a
aula de ballet com uma de modern jazz. As minhas outras colegas gostavam mais
da outra modalidade, ás tantas só queriam o modern jazz. Chegava á aula toda
contente e a professora, pressionada pelas outras decidia, mais uma vez, ser a
aula de modern jazz. Ficava para morrer... mas lá fazia a aula e assim tinha contacto
com outras modalidades, mas embirrava que não gostava.
- As minhas colegas não
entendiam a minha obessessão. Nem eu! Mas cheguei ao ponto de exigir que em vez
de me chamarem Sara me chamassem bailarina. Nunca percebi esta paranóia, acho
que já naquela altura procurava um nome artístico.
- A minha primeira
grande desilusão foi quando tive a triste ideia, de querer fazer uma audição
para entrar no Conservatório Nacional de Dança.
Como queria porque
queria ser bailarina, arranjaram-me a tal audição. Foi um desastre! Ainda me
lembro da sala, da professora, do piano mas principalmente de umas sapatilhas
de pontas que estavam no parapeito de uma das janelas. Lembro-me de passar por
elas e quere-las para mim.
Lembro-me dos
exercícios e foi ali que percebi que não tinha preparação suficiente para
"competir" com as outras. Olhando para as elas, reparei que não tinha
corpo para tal. Não que fosse gorda, não tem haver com isso, mas as outras
controssiam-se todas, já faziam pontas, faziam esparregatas e posições que eram
impossíveis para mim. Mesmo assim, tentei, fiz todos os exercícios que me
propunham, mas não entrei... fiquei triste, mas continuei as aulas... sabia que
era aquilo que queria, se não tinha sido desta seria para uma próxima
tentativa.
- Quando havia as
festas de final de ano, havia sempre um show das alunas de dança, claro que eu
estava em todas, e digo-vos que ninguém me conseguia acompanhar, participava em
todas as danças e sempre com uma atitude de estrela.
Adorava o palco, a
preparação para tal, as coreografias, enfim, tudo o que tinha a haver com um
espectáculo. E ficava mesmo um espectáculo... tenho algumas fotos desses
tempos, mas não me atrevo a mostrar!!!
Os espectáculos às
vezes eram no colégio, outras vezes no Teatro Maria Matos e o meu fascínio pelo
palco era tão grande que uma vez (talvez com uns 7 ou 8 anos) depois do um
espectáculo ter acabado no Maria Matos, e praticamente toda a gente se ter ido
embora, esquivei-me dos meus pais e corri para o palco. Sem ninguém e com a
plateia completamente vazia, comecei a imaginar o meu próprio show e as palmas
que poderiam surgir, foi um momento mágico, nunca mais me esqueci... claro que
um segurança do teatro quando me viu correu comigo.
Continuei as aulas no
colégio até ao 9ºano, com 15 anos, mudei de escola (fui para Lisboa, para a
escola secundária António Arroio) e com essa mudança comecei a ter aulas de
ballet com a melhor professora de dança que já tive: a prof. Cristina
Filipe.
A ela devo muito do que
sou hoje tanto como profissional tanto como professora. Com ela, entrei para o
método da Royal Academy of Dance, as aulas eram muito mais exigente e com
exames ao final do ano em vez de espectáculos. Nestas aulas a exigência técnica
era muito superior ás do colégio, senti aqui que finalmente estavam realmente a
"puxar" por mim, adorava e muitas saudades tenho desses
tempos. Tenho também saudades da convivência com colegas que conheci que
foram verdadeiras amigas, e ir para as aulas não era só ir aprender, era também
um encontro de amigas onde nos divertíamos bastante.
Mas, como disse, as
aulas eram difíceis. Foi aqui que senti mais a injustiça de querer mas o corpo
não dar. Trabalhávamos todas na mesma aula e por níveis, sentia claramente a
frustração de o corpo não ir mais longe. Trabalhava imenso, mas chegava a um
limite que era impossível de ultrapassar. Era, para mim, uma desilusão ver
outras a conseguir fazer exercícios num instante quando eu demorava, para fazer
o mesmo, ás vezes dias! Mas não desistia, nem a professora permitia isso. As
correcções eram duríssimas e lembro-me muitas vezes de sair da aula a chorar de
frustração e raiva, mas nunca desistia.
Essa perssistencia
valeu-me alguns méritos, conto-vos o que mais me marcou: no meu último exame e
o mais difícil física e psicologicamente:
Na turma tínhamos os
"cisnes"- as que tinham corpos indicados para o ballet e adoradas
pela professora e os "patinhos feios"- onde eu me incluía, as não
preferidas e aquelas que não tinham muita esperança que passassem no exame.
Tendo consciência disso, preparei-me como nunca para esse exame e como sabia
que não era forte técnicamente, trabalhei mais a parte da dança do que
própriamente executar perfeitamente a técnica.
Dei tudo por tudo e
enquanto as "preferidas" eram elogiadas e mimadas, eu não recebia
nenhum elogio, nenhum incentivo... mas continuei a preparar-me, ensaiava,
ensaiava e ensaiava... e quando chegou o exame, o patinho feio passou e os
cisnes chumbaram! É verdade, foi a maior lição que alguma vez tive: Não adianta
elogios, ser perfeita, ter todos os incentivos e apoio por parte dos maiores
profissionais se nós próprios não nos revelamos verdadeiros
"guerreiros" para chegar onde queremos.
A minha alma de
bailarina, nesse exame e em todo o processo, sobressaiu e teve mais impacto que
a técnica e essa foi outra lição: Não adianta executar tudo direitinho se a
dança, a Alma, lá não estiver.
Acham que alguém me
ensinou isso? Não. Percebi sozinha, com as "patadas" que ia levando
da professora, que na altura não entendia e revoltavam-me, mas hoje
agradeço-lhe, pois foi isso que me fez crescer como pessoa, e conseguir
aguentar "as patadas" maiores que vou levando hoje em dia como
profissional de dança.
O ballet foi sem
dúvida, a disciplina que me ajudou a ser quem sou hoje não só como bailarina
mas também como "guerreira" para aquilo que sonho.
Claro que nunca poderia
ser bailarina profissional de Ballet Clássico por causa das minhas limitações
físicas, e no fundo sempre soube disso. O que não sabia é que a Vida queria que
eu dançasse algo bem mais profundo.
E, foi nesse mesmo ano
- do tal exame - que tinha decidido deixar de dançar, que comecei as aulas de
Dança Oriental.
Perceberam que evoluir
na dança ou aprender dança, qualquer que seja ela, é sempre um processo interno
que não necessita de mais ninguém do que nós próprios. Na Dança Oriental esse
processo é ainda mais intenso e foi por, nesse mesmo ano, ter coincidido
começar com aulas de Dança Oriental, que me fez apostar mais no sentimento
transmitido atravez da dança. Foi exactamente isso que me fez passar o tal
exame.
Foi a Dança Oriental
que fez sair de mim a bailarina que estava presa com tanta técnica e pressão de
não ter o "corpo". Mas, para dançar, e bem, não precisamos do corpo
que dizem perfeito, precisamos sim de Alma.
Encerrava o Ballet para
mim, começava a dança para o qual tinha nascido: A Dança do Oriente.
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