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Recomeçar... 1, 10, 100, 1000... Vezes

O que for necessário. É uma das condições de ser Artista. De ser Bailarina. Freelancer. E de ser Professora de Dança.

Perdi a conta de quantas alunas passaram por mim ao longo destes anos todos. Vão e vêm. Já disse e repito: todas foram e são especiais. Cada uma, à sua maneira, deixou marca e contribuiu para a profissional que sou hoje.  

Cada aluna é um recomeçar... é uma folha em branco para inspirar. Para trabalhar. Para fazer sobressair. É uma responsabilidade maior que dançar no maior palco do mundo. O público de uma sala de aula - quer presencial, quer agora mais recentemente, online - é o mais exigente, o mais desafiador mas pode ser o mais recompensador. Atraí-lo não é fácil. Mantê-lo exige criatividade e muito amor à Dança e à condição de ser Professora.

Não escondo a desilusão que algumas vezes também é. Quando damos tudo a uma aluna, com verdade, com honestidade e ela... simplesmente não dá valor. No início da minha carreira custava-me muito isso. O sentir a desvalorização de todo o conteúdo valioso e atenção que lhe estava a dar. Com os anos, comecei a relativizar. A compreender que nem todos temos os mesmos objectivos e muitas vezes não estamos na mesma sintonia. Ok. Aprendi que é normal isso acontecer e deixo fluir. Mas, o que mais me magoa, e sempre me magoou (vou ser sincera) é naquela hora H, a aluna, colocar no pedestal e gritar ao mundo que "ADORA", "É A PAIXÃO DA MINHA VIDA", "É ELA QUE ME FAZ APAIXONAR PELA D.O.", "A MINHA MAIOR INSPIRAÇÃO" etc... aquela bailarina que nunca lhe deu uma única aula, ou vá... deu um workshop com mais uma centena de alunas. Aquela bailarina que só a vê no instagram ou no youtube. Aquela que até, nunca teve oportunidade de assistir ao vivo. Isso custa-me.

E não entendam mal. Não há problema nenhum "amarmos" a bailarina X e Y porque, de alguma maneira, ela nos inspira e também merece a nossa admiração. Compreendo perfeitamente e eu tenho as minhas. Mas a que está ao teu lado, a dar-te aulas regulares, a receber-te sempre com sorriso e de braços abertos não é essa bailarina X e Y que adoras. É a TUA Professora (ou professor) de Dança. Que até pode não ser a mais bonita e ter trajes lindíssimos. Que até nem é melhor bailarina do mundo. Que não é mais popular na net, ou ter 100001 seguidores no instagram e facebook mais um sem numero de visualizações no youtube e afins, mas é aquela que nalgum momento H teu, te validou sem estares à espera. É aquela que te conhece e te alavanca. É aquela que puxa por ti para seres a tua melhor versão.

Acredita: todos nós, professores de dança (seja qual for a dança) queremos ser acarinhados e a dada altura só queremos um OBRIGADO. Todos. E não é (só) no público em geral que ambicionamos palmas, é, principalmente, dos nossos alunos. Porque é com vocês que suamos. Que damos o "litro". Que dispomos o nosso tempo. Que estamos lá, quase a qualquer hora, a responder às vossas solicitações. A criar ambiente para vocês. E não. Não damos aulas só pelo dinheiro. Damos aulas pelo Amor à Dança e à partilha convosco.

E perguntam: "Oh Sara, isso não é dor de cotovelo?" Não. É um desabafo sincero de quem já ouviu muita coisa de alunas durante todos estes anos. Coisas injustas, amargas, que ferem e as processamos em silêncio. No estúdio, ponderamos muitas vezes se vale a pena continuar. Porque, tal como tu, somos pessoas. Queremos sentir que o nosso trabalho é reconhecido, validado. Por isso, a próxima vez que te perguntarem quem é a tua referência, em quem te inspiras, quem é o bailarino que mais gostas, para além do bailarino XPTO, não te esqueças do teu professor de dança. Ele vai adorar e assim, dás-lhe força para recomeçar, as vezes que for necessário, a cada aluno e em cada aula. Fica a dica.



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