Avançar para o conteúdo principal

Ai Meu Deus!!!!



Vi um programa de televisão no outro dia, que me deixou completamente abismada, triste e desiludida.
Era sobre a transformação de imagem de uma candidata que não se sentia bem com o seu corpo.
Confesso que não tenho a mínima paciência para este tipo de programas mas, este em especial chamou-me a atenção. A candidata era uma, assim a apresentadora referiu, bailarina de dança do ventre.
Bom... vi o programa e em todo ele o meu queixo foi caindo, completamente horrorizada com e principalmente, a ignorância e o imaginário estereotipado que os leigos na materia têm sobre esta dança e, pior ainda, os supostos profissionais na área mostram.

Primeiro que tudo tenho de esclarecer um ponto de uma vez por todas: não se chama dança do ventre, chama-se DANÇA ORIENTAL. Este foi o nome originalmente designado pela responsável da dança que todas nós fazemos hoje. Cabe a cada bailarina profissional e aluno/a saber isso e fazer questão de "educar" o publico.

Segundo:  Sendo esta dança um reflexo da nossa atitude de vida (dançamos os que somos, esta é a verdadeira realidade quer queiramos ou não), como é que esta profissional de DANÇA ORIENTAL faz disto vida, se não se sente bem com o seu corpo? Finge quando está a dançar ou a ensinar?
Sinceramente não entendo. Se fosse uma aluna, uma curiosa que não fizesse disso profissão, até compreenderia pois, ainda estaria em processo de redescoberta do seu corpo e recuperação da sua auto-estima. Mas uma bailarina que se diz profissional?!!! Que tem alunos a ensinar?!!! Que tem um publico que a vê!!! E não tem auto-estima????!!!!!...
Vou esclarecer este segundo ponto, com base no meu próprio percurso e experiência profissional que somam já dez anos. A DANÇA ORIENTAL é em primeiríssimo lugar uma ARTE que vai ao encontro da ESSÊNCIA FEMININA. Nesta essência, entre muitas outras coisas, há uma exigência em expor acima de tudo uma AUTO-ESTIMA SOLIDA e CONFIANTE, que passa não só mas também, em aceitar o nosso corpo tal como é, o nosso CORPO REAL, SAUDÁVEL, que é ÚNICO e BELO. A exposição física tão característica desta dança, é uma consequencia desse reencontro. É um processo que funciona como uma terapia, de dentro para fora, totalmente espiritual e que pode demorar anos. 
Para 90% das bailarinas em todo o mundo e publico em geral, essa exposição física, está associada a um erotismo, sedução e necessidade em prender audiências exibindo um corpo padronizado por "modas" ilusórias. Choca-me ver tantas colegas e alunas, tão longe da verdadeira essência feminina, autenticas escravas na busca dessa imagem "perfeita" como se disso, a qualidade da sua dança e sensualidade dependesse.
Mas, o que é ser FEMININA??? O que é ser SENSUAL???
Eu não tenho definições concretas, não há uma verdade absoluta. Cada mulher saberá, ou melhor, sentirá e definirá estes conceitos tão em voga. Mas, acho que não passa por reduzir tudo a ter um peito com tamanho tal, o peso tal sem gorduras localizadas, roupas, cabelos, maquilhagens "xpto". Esta rapariga sofreu a uma mudança  fantasiosa que, a transformou numa boneca estereotipada, igual a todas as Barbies da moda. Dizem os responsáveis por essa mudança, ficou mais feminina e sensual que por sua vez, a vai ajudar como bailarina de dança do ventre... AI MEU DEUS!!!! Lindo de facto o exterior ficou... mas e o interior? Será que um peito renovado, não ter gorduras localizadas, novas roupas e cor de cabelo, serão suficiente para agora realmente, ter a auto-estima que deseja e levar a dança a outro nível?...
Eu acho que não basta... a verdadeira sensualidade de uma mulher (e não falo aqui no termo mais superficial deste conceito)  vem de dentro. Vem de uma atitude que se exterioriza, numa bailarina, em forma de dança. Não se explica, sente-se... Não se transforma, simplesmente se redescobre...

Em terceiro, a equipa responsável pela transformação era: uma nutricionista, um cirurgião plástico, uma cabeleireira e uma consultora de imagem.
Pergunto: e um psicólogo? Ou alguém minimamente credivel para perceber a verdadeira razão de ela se sentir com a auto-estima tão em baixo? Muda-se o exterior... e o interior não tem que acompanhar essa mesma mudança?!!!
Estes profissionais do programa afirmam que, com o novo exterior a alma também ficará renovada!
Pois eu afirmo: TRETAS!!!!!!!!!  Ela fica sim renovada... MAS SÓ DURANTE ALGUMAS SEMANAS! 
Pela minha própria experiência, eu digo que, se o interior não for trabalhado em primeiro lugar, o exterior, que é fácil de transformar, mais tarde ou mais cedo volta ao que era e pior: a nossa percepção dele nunca mudou.
Ele (o nosso corpo e imagem externa) é uma consequencia directa do nosso estado de alma constante e não do momento presente. Tal como a nossa dança é um reflexo directo da nossa atitude de vida.
Centenas de mulheres já passaram pelas minhas aulas, onde vi dezenas a submeterem-se a mudanças extraordinárias e realmente sentiram-se muito bem. Mas, poucas semanas depois, voltavam a ter o mesmo comportamento anterior à transformação "milagrosa". Mesmo com o tal corpo e imagem desejada a auto-estima estava exactamente na mesma, continuaram a sentirem-se os "patinhos feios" numa procura infinita de mais defeitos a mudar, porque, assim que os transformarem, aí sim... seriam de novo felizes.
A MUDANÇA TEM DE SER DE DENTRO PARA FORA!!!!!!!!!!!!

Para finalizar:
. no final do programa, as pessoas que não sabem o que é, e até mesmo aquelas que têm algum conhecimento de DANÇA ORIENTAL, ficaram com a impressão que, para se dançar o melhor é mesmo ter um corpo "ideal" senão até as profissionais se sentem mal! AI MEU DEUS, mais uma ilusão massificada e tão longe do que é realmente DANÇA ORIENTAL. Desperdiçou-se mais uma excelente oportunidade de publicamente se desmistificar esta  incompreendida forma de Arte.

. eu nada tenho contra as mudanças de visuais, cirurgias plásticas, etc... desde que elas não sirvam de "desculpa" para não viver. Vou ao cabeleireiro todos os meses, arranjo as unhas todas as semanas, controlo o meu peso, além da dança corro várias vezes por semana para me manter em forma, tento comer o mais saudável possível, enfim... cuido muito do meu corpinho mas, EU DEIXEI DE LUTAR CONTRA O MEU CORPO, ACEITO-O COM TODOS OS "DEFEITOS" E "QUALIDADES", RECUSANDO-ME A TORNAR MAIS UMA BONECA IMPOSTA POR UM IDEAL UTÓPICO! Sou uma MULHER REAL, COM UM CORPO REAL, COM UMA FEMININALIDADE E SENSUALIDADE QUE VEM DE DENTRO, QUE SE EXTERIORIZA EM CADA SEGUNDO QUE VIVO E DANÇO. 
De muitas lições que esta dança - DANÇA ORIENTAL - me ensinou, talvez esta tenha sido a mais significativa e a que me trouxe mais qualidade de vida. 
Claro que a minha auto-estima não está sempre lá em cima.Tenho dias que me sinto uma Cleópatra e outros que me sinto uma Gata Borralheira, mas nunca deixo de ter intimidade com o meu Amor, com luzes bem acesas, só porque não tenho a depilação feita ou nota-se a gordurinha localizada... ele "tá-se borrifando" para isso! Ele quer é que o ame e eu ser amada! 
Assim um publico quer é ver DANÇA e ALMA numa bailarina. É isso que prende uma audiência, o corpo fica completamente em segundo plano.

.Irrita-me profundamente a dinâmica destas transformações. Estes programas metem-me raiva pela ilusão que vendem. Aqueles profissionais falam em terem o conhecimento de tornar uma mulher feminina e sensual, mas eles próprios têm uma definição superficial e limitada destes conceitos, bem longe do que é ser realmente MULHER.
Quero deixar bem claro que eu nada tenho contra a bailarina em causa. Se ela sentiu que era por ali o caminho, ok... agora, espero sinceramente que não se fique pelo "embrulho" e que sua dança seja o reflexo da transformação interna que também tem de acontecer, para brilhe sempre que pisar um palco e consequentemente ter o sucesso que merece.
Lembrem-se:
.Uma cara e corpo bonito é fácil esquecer, mas o carisma que vem do espírito de uma bailarina é inesquecível.

Comentários

  1. Patrícia Pinto Escalda30 de março de 2011 às 14:37

    Disseste tudo, Sara!!!
    Concordo contigo!
    Muitos beijinhos e saudades.

    ResponderEliminar
  2. Olá Sara,
    bem esse programa ficou pelo superficial mesmo, como habitualmente ficam.
    Têm os meios, mas não levam a questão mais longe.
    Concordo, e é mesmo SEMPRE de dentro para fora.
    Bom fds,
    bj.

    ResponderEliminar
  3. Passei pelo teu blog e gostei. Mas detenho-me especialmente neste texto, que devia ser lido por tantas mulheres por esse mundo...
    Parabéns pela aborgadem que fizeste!
    Eu comecei na Dança Oriental por ter uma clara ligação que tenho ao mundo/cultura árabe ao morar no meio de muitos e ter vários amigas que dançam. E porque me liberta enquanto mulher, porque permite expressar a essência feminina de maneira tão natural.
    Só me fez bem. :)
    Beijinhos

    ResponderEliminar
  4. Adorei! Eu vi este mesmo programa e pensei exactamente a mesma coisa. Eu pratiquei dança oriental e aprofundei os meus conhecimentos da dança com diversas professoras nomeadamente a Sara, a Iris, entre muitas outras. Esta dança certamente que era algo que me fazia sentir muito bem comigo mesma a vários níveis. No entanto, para grande tristeza minha deixei de dançar. Em parte por não conseguir evoluir muito na cidade onde estou (ficava muito dispendioso investir em formações em Lisboa ou Porto) e por outro lado pela forma como a dança ainda é vista. Entristecia-me que aquilo que eu considero uma forma de arte e no qual eu investia tanto de mim fosse visto como algo semelhante à dança do varão :( infelizmente esta ainda é a realidade na maioria da população :(

    ResponderEliminar
  5. Ana:
    sei bem como é a realidade da percepção que a maioria das pessoas têm da Dança Oriental.
    Mas, obtei por "educar" cada pessoa que passa por mim, tanto como aluna ou como espectador. Só assim o preconceito vai desaparecendo.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Afinal o que é ser humilde...

As bailarinas ouvem muitas vezes a palavra humildade, que temos de ser, viver e actuar com humildade. Concordo plenamente... Mas o que é humildade? E quem é que pode dizer a outro tu és e tu não és humilde? Socialmente uma pessoa humilde não ostenta riqueza nem vaidade, procura ser útil mas discreto e pede ajuda fazendo questão de dizer que não sabe tudo. Que pessoa humilde seria esta! E quase perfeita... Lamento desiludir, mas não tenho todas essas características! Sou humana, tenho defeitos e muitos... como todos vocês! Para mim, humildade é um valor que se adquire logo na infância e se desenvolve ao longo da vida. Mas acho que há vários graus e muitíssimas definições de humildade. O que pode ser para mim uma acção humilde para outro é algo bem diferente. Quantas vezes agimos ou dizemos algo que pensamos, que é natural aos nossos olhos, mas somos logo julgados: "Não és nada, humilde!" Penso: como bailarina, posso ser humilde? Vocês dir-me-ão: Claro! Tens mais é que ser h

Então, o que basta?

Desde que me lembro, oiço dizer que, para dançar é preciso gostar mesmo. Ter Amor, Paixão pela Arte da Dança. Concordo. Cresci a ouvir isto. Mas, basta?...  Hoje, depois de tantos anos dedicados à Dança, eu acho - melhor, tenho a certeza - que não.  Então, o que basta?... Sinceramente?!... Tudo. Danço desde sempre. E desde sempre, o meu Amor pela Dança impulsionou-me a continuar. Foi assim com a minha primeira paixão: o ballet e que continuou para a Dança Oriental onde foi "Amor à primeira vista." Tal como num casamento, a paixão inicial transforma-se num Amor. Amor este que se tornou profundo, amadurecido e, também calejado.  Manter uma relação, não é fácil nem romântica como se idealiza, muito menos incondicional. É necessário esforço, dedicação, responsabilidade, sentido e condições. Definitivamente, só o Amor não basta. Na Dança, sinto que é igual. É uma relação entre a bailarina e a sua arte. Há que investir nesta relação para que o Amor - base fundamental SIM - não fiqu

Outro pecado, defeito ou talvez virtude

Não consigo ser hipócrita e cínica. Danço aquilo que sinto... e não há volta a dar. Por mais que tente, não consigo, fingir que estou alegre quando estou triste, gostar quando não gosto, rir quando me apetece chorar, mentir quando me quero dizer umas verdades. Sinceramente até hoje não sei se isto é uma virtude ou defeito. Ao longo da minha vida poucas não foram as situações em que se tivesse sido hipócrita tinha ganho mais, em que se o cinismo falasse mais alto tinha evitado inúmeras "saias justas". Muitas vezes a minha mãe e até marido dizem-me que não posso ser tão directa em certas situações, que às vezes a minha antipatia com quem não gosto é-me prejudicial. Dizem-me "finge" e eu respondo "é pá, não consigo" e não dá mesmo! Confesso que alguns comentários que dou, resposta impulsivas, atitudes de mau humor caem-me mal e transpareço uma brutalidade que não é totalmente verdadeira. Quem não me conhece fica a pensar que sou arrogante, antipática, conven