Avançar para o conteúdo principal

Mais um balde de água fria...

Pois é! Se há coisa que eu detesto e me deixa irritadíssima é apanhar com "um balde de água fria", e vocês estarão a perguntar: "do que é que ela está a falar?"
Passo a explicar: levar com um balde de água fria para mim é: ter uma boa proposta para dançar num evento, está tudo acertado quanto ao local, duração da actuação, depois de um bom regateio os cachet estão combinados e dizem-me "então tudo bem, depois dir-lhe-ei as horas". Fico toda contente, pois o que eu mais gosto é levar a minha arte junto das pessoas. Começo a pensar nas músicas mais adequadas para o tal evento, a escolher os fatos, adereços e a imaginar como será a actuação para que seja inesquecível. Pareço uma criança que lhe prometeram um chocolate... e ando toda entusiasmada á espera do dia D, tudo isto para um dia antes, enviam-me uma mensagem a dizer " muito obrigado, mas já não vamos precisar mais dos seus serviços." Já perceberam o que é "um balde de água fria"?...
Mas, mais do que ficar chateada por não ter recebido o meu chocolate e ter tido a oportunidade de me ter deliciado com ele, fico indignada, passada, amuada, e tudo o que acaba em ada com alguns pormenores relactivos à dispensa dos meus "serviços":
1º- Serviços???!!! Mas eu sou o quê? Funcionária das finanças? (com todo o respeito aos belíssimos funcionários que nós temos no nosso serviço público!), relembro que sou Bailarina, uma artista, não presto serviços, demonstro Arte!
2º- Através de uma mensagem??!! Bolas! Pelo menos, falavam comigo! Mesmo que seja por telefone, mostrando respeito, pois quando precisaram telefonaram e falaram!
3º- "Ok! esperamos por si na festa" É pá! Se não tinham a certeza que me queriam a dançar, não me dá-vam o OK. Poderiam dizer: "vamos pensar no assunto" ou "depois digo-lhe se sim ou não", é sempre melhor do que nos porem o rebuçado na boca e depois tirarem...
4º- O pior é que percebi o porquê de acabar por não ir dançar no evento. Claro que não me dizem, mas como já tenho uns anitos disto, percebi através da conversa que, acharam o cachet que pedi muito alto. É incrível, e é com isto que me passo mesmo. Querem que uma bailarina dance e geralmente gostam de a ver dançar, mas esquecem que para ela dançar teve de investir na formação, teve também de investir em roupa e acessórios, já para não falar na deslocação, e querem pagar quase nada ou mesmo nada?! Só porque acham que é pouco tempo de dança para o valor pedido?! Se precisam de um médico pagam a consulta e nem respingam o valor, se querem um advogado também pagam e não é pouco, ás vezes pagamos por uma refeição num restaurante um notão, etc... querem ver dança e acham que não têm de pagar por isso!!! Não entendo... quando compro um bombom de alta qualidade pago muito por pouca quantidade, mas esse bombom vale esse preço, com a minha dança é o mesmo, a duracção é o suficiente para o contexto que se insere, mas a qulidade supera qualquer cachet.
Para perceberem ainda melhor, dou-vos o meu exemplo: comecei a minha formação em Dança Oriental á 9 anos numa das escolas de dança mais caras do país na altura; cada curso que faço no Egipto são 1600€ + a viagem 500€ + a estadia e alimentação 500€ = 2600€; cada traje de dança que lá compro não é menos que 400€, nos acessórios e maquilhagens já perdi a conta... Percebem porque é que não posso dançar de borla? Não me importava... mas para além deste investimento, eu vivo da dança! Pago a renda da minha casa, a minha alimentação, a minha roupa, os meus impostos, água, luz, gás, carro... com o meu trabalho! E o meu trabalho é ser Bailarina! Não sou médica e como hobby sou bailarina! Não! Sou bailarina a full-time, a part-time, e o meu hobby adivinhem é: Bailarina!
Se me rejeitam porque não gostam do meu estilo de dança, não gostam da minha dança pura e simplesmente ou acham outra bailarina mais interessante, fere-me o ego mas aceito humildemente, agora, porque acham que é muito dinheiro por 10 ou 15 minutos de dança, pensem no que está por detrás e na qualidade desses mesmos minutos. Se reflectirem bem, não há preço que pague, mais do que o investimento monetário, o investimento psicológico e pessoal que está por de traz de uma dança.
Enfim... mais um balde para a colecção... isto de ser bailarina é ter de também apanhar com uns bem geladinhos... e às vezes em pleno Inverno!

Comentários

  1. Oh, vai na volta encontraram uma bailarina (ou pseudo-bailarina) que dançasse por um valor mais baixo. Quem perdeu foram eles, isso de certeza, porque vão pagar a qualidade que levam. Mas percebo que seja chato para ti.

    Quando me acontecem coisas desse género (não com dança, claro) só me apetece pegar nas pessoas, dar-lhes uns safanões e perguntar: "Mas então para que é que vieram ter comigo???"

    beijinhos **

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Depois de tantos anos a Dançar e a Leccionar, não estás cansada?

  Queres uma resposta sincera a esta última pergunta selecionada desta série? Estou. Mas isso não me impede - por enquanto - de continuar. Eu sou bailarina e professora por vocação. Desde que me lembro sempre foi o "meu sonho" ser bailarina. E sempre me vi a fazer isso. A vontade de ser professora veio mais tarde, já em adulta, com a necessidade de querer passar os meus conhecimentos e experiência a quem me procura. Percebi, cedo na vida, que não seria feliz nem realizada se, pelo menos, não tentasse seguir a minha vocação. Com coragem, determinação e muita "fé", arrisquei. E depois de tantos anos, apesar de tudo, continua a fazer-me sentido. E, quando algo é tão natural e intrínseco a nós, é difícil ignorar e, largar. Com isto, não quero dizer que foi ou é fácil. E hoje, digo: preferia não ter esta vocação... preferia ter tido a vocação para ser médica, ou advogada, ou até arquitecta... tudo teria sido tão mais fácil. Tão mais aceite. E tão mais reconhecido...

Para ti, o que é mais importante no ensino da Dança Oriental?

Pergunta selecionada do mês de Abril e vou ser directa. Para mim, segundo a minha visão e experiência, o mais importante no ensino da Dança Oriental é conseguir empoderar aquela/e aluna/a passando-lhe o testemunho milenar da essência da D.O. Ensinar D.O., para além da sua complexidade técnica - porque não há propriamente um "guião" ou até mesmo formação para se ensinar como noutras danças - o mais importante é conseguir passar a sua essência. E aí está a questão: qual é a essência da D.O.?...  Esta é a pergunta que cada professora ou professor deve fazer. Se souber responder, ótimo! É meio caminho andado para criar ferramentas porque sabe o que está a fazer.  Se não sabe, eu acho que deve procurar saber.  Porque, digo-vos: o que mais impacta no ensino da D.O. não são a execução perfeita de mil e um movimentos, nem dezenas de coreografias... o que mais deixa legado é a forma e a atitude com que sentes a D.O. mostrando o seu carisma único. Há uma Alma a ser preservada indep...

Quero ser bailarina profissional de D. O. Como começo?

UI!!!!! Esta foi a pergunta selecionada deste mês de Maio e, deixa-me dizer-te: é uma pergunta para milhões. Foi exactamente esta a pergunta que fiz, há 21 anos atrás, à professora e única referência que tinha na altura. A resposta foi: "desenrasca-te". E, tive mesmo que me "desenrascar" numa altura que a Dança Oriental - embora na moda por uns tempos - carregava (e acho que ainda carrega, mas com menos peso) um grande preconceito, consequência de um legado de séculos de ignorância em relação a esta dança. E, passado duas décadas digo-te, a ti que queres lançar-te como bailarina profissional de D.O.: BOA SORTE! Porque não é fácil e, não há um guião. Há, ou tem de haver uma capacidade de resiliência e inteligência emocional que não é para todos. Se me lês regularmente, sabes que sou directa. Acredito que a verdade, sem floreados, vale mais que a resposta bonita e meiga. Neste mundo da Dança não há espaço para "meiguice". Há espaço - e tem de haver - para o ...