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O Palco

Sempre me imaginei dançar em palcos grandes, dignos, com condições e com um público interessado. Para mim, esse é o lugar dos bailarinos. De todos os bailarinos. E de todas as danças.

Rapidamente, assim que enveredei pela Dança Oriental, dei-me conta que, infelizmente, esse privilégio não era para todos, muito menos para todas as danças. Logo, nos primeiros tempos como profissional, senti desmérito até, algum desrespeito e muito preconceito pela Dança Oriental e por ser bailarina de D.O. Começando (e acabando) pela minha própria família, passando por muitos promotores de espectáculos e de eventos. Claro, ir para palcos "dignos" tornou-se tarefa: Missão Impossível. Obstinada como sou, sonhei levar a Dança Oriental para esses palcos. E, dando "o corpo às balas" e por minha conta e risco, consegui alguns. Hoje em dia, depois de muito trabalho trilhado, está mais acessível e há menos impedimentos onde as portas de boas salas de espectáculo estão mais recetivas, mas, ainda há muito caminho - ou melhor - muita dança a fazer antes de estarmos no mesmo patamar que algumas danças.

E perguntar-me-ão: mas são assim tão importantes esses palcos? 

São.

Nunca me ouvirão dizer que uma bailarina de Dança Oriental dança pior ou tem menos mérito por estar a actuar fora de um palco clássico. Eu própria, 90% das minhas actuações ao longos dos anos foram fora desse contexto "ideal" e não foi por isso que deixei de fazer o meu melhor e, principalmente e sempre, dignificar a Dança Oriental. Dancei onde podia, o que era possível e nas condições que apareciam na altura, muitas vezes, complicadas de gerir. O que quero dizer é que, a grande diferença entre um palco clássico e os outros, sejam estes últimos em que contexto for, para além do obvio – melhores condições de espaço, luz, som, bastidores, ambiente que influenciam e elevam directamente uma actuação - é o público.

Sim. O público.

Houve uma experiência que vi, anos atrás, que me marcou e, nesse momento entendi como "O Palco" faz TODA a diferença. Foi uma experiência simples que mostra um violinista a tocar numa estação de metro (creio eu... já não me recordo bem) e as pessoas passavam por ele sem ligar nenhuma ou muito pouco. Algumas deixavam uma moeda e uma minoria parava uns segundos a assistir. Esse violinista - um dos mais talentosos a nível mundial - estava a tocar um excerto de uma peça muito conceituada com um violino dos mais caros do mundo. E quase ninguém parou para ouvir e mostrar a sua apreciação. Depois, vê-se o mesmo violinista com esse mesmo violino, a dar um concerto, num palco XPTO, a tocar a mesma peça para um publico atento que pagou - caro - para ali estar que o aplaudiu de pé. Pergunto-vos: qual foi a diferença para ter um público que prestasse atenção e outro não? Se era o mesmo artista, a mesma música e o mesmo instrumento? A resposta é: O contexto onde ele mostrava a sua arte: O Palco. Esta é a grande diferença. E serve para TODAS as Artes. Uma pintura ou uma escultura ganha outra dimensão conforme o sítio que é exposta. Uma canção. Um poema. Um filme. Todos eles ganham outra vida graças ao local onde são exibidos. Dignifica até. E isso, quer queiramos ou não, influencia directamente o publico que assiste e, até filtra. Porque, na verdade, nem todos estam para determinada Arte. Nem todos me querem ver dançar, muito menos ver Dança Oriental. E está tudo bem. Mas eu tenho, à força toda, impingir a minha dança a todos, sujeitando-me, onde qualquer lugar serve?... deixo a pergunta...

E ainda te faço outra: Tu, que és bailarina, consegues controlar o teu público? Pois eu digo que o local e contexto onde actuas, independentemente da tua mestria, impacta directamente a atenção que esse publico te tem e, a vontade em te ver. Claro, com a experiência, conseguimos ir captando o interesse que à partida seria mínimo e grande parte das vezes, uma assistência que até nem estava interessada, acaba por ficar atenta no decorrer da actuação. Mas não são todas, muito menos toda a gente. Mais uma vez, está tudo bem. E, tua atitude perante a reação do público também conta. E isso - também - faz a diferença. Mas... este tópico fica para o próximo artigo.








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