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2021

Há meses que penso neste post. Hesitei escrevê-lo pela dificuldade em encontrar as palavras certas porque sei a responsabilidade dele. Há intimidades que eu acredito que devem ficar só nossas, mas, eu sei que escrever ajuda-me a colocar ordem no processo e sei que há fragilidades que não são só minhas... são partilhadas por a tantas outras mulheres. Por isso, e porque gosto de ler outros testemunhos onde me identifico, decidi contar esta minha experiência para que chegue, nem que seja, a uma só mulher que, no momento certo, o precise de ler.

Nada é como queremos ou no timing que agendamos. As coisas acontecem no seu momento e posso dizer que este foi (mais) um excelente ano. Se 2020, foi o ano que consegui reclamar o meu tempo, 2021 foi o ano que recuperei saúde: física com consequências emocionais. É complexo. Requereu de mim uma profunda aceitação, paciência e grandes revelações.

Mas, comecemos pelo início. 

Nos últimos 10 anos, lentamente e bem dissimulado, fui ganhando peso. Sem me aperceber fui canalizando a minha fonte de conforto e escape na comida. Mais precisamente nos doces. E sim, sem grandes rodeios, hoje digo que sou viciada no açúcar. Não no álcool, não no tabaco, não em antidepressivos, não no ginásio, não em compras, etc.…, mas no açúcar. Sem me dar conta, aqueles bolos, preencheram-me raivas, frustrações, ilusões, tristezas, ânsias, vontades. Calaram-me quando queria gritar. Abafaram-me quando me sentia injustiçada. Prenderam-me, porque ficar quieta era mais... conveniente. Não para mim. Para todos.

"Mas Sara: não te apercebias do aumento de peso?... Não vias que o que estavas a comer era exagerado?.... És é gulosa!!!" Claro que me apercebia! Claro que sou gulosa (quem não?)! E sim, eu sempre tive espelhos! Aliás, eu sou bailarina!! Eu lido com o corpo!!! Eu sabia que algo estava mal. O que não percebia era o que me levava a tal adição. E sempre foi esta a questão: não é o que comemos, mas porquê! Porque todos sabemos os alimentos que nos fazem bem e os que nos fazem mal mas mesmo assim, optamos pelos que nos fazem mal.… over and over again... Demorei anos para responder à pergunta e para a qual ainda estou à procura da real resposta. Sorry... não tenho a resposta milagrosa. Mas tenho o processo de conscientização e que há um porquê.

No meu caso - e estou a falar somente por mim segundo a minha experiência - tive duas fases de ganho de peso: uma antes da gravidez e outra depois, sendo esta última galopante. Refletindo hoje, ambas tiveram a haver com questões emocionais. Nada tinham haver com fome física. Teve haver com carências emocionais que ainda hoje estou a tentar lidar com elas. Com mais maturidade e consciência. E agora perguntam: "Como chegaste a essa conclusão?"

Porque depois do processo que vos contei precisamente no post de há um ano atrás (ler aqui), depois do tempo reclamado para mim... consegui ter, finalmente, ESPAÇO MENTAL para olhar-me REALMENTE e QUERER lidar com o meu excesso de peso. Aspecto da minha vida e imagem que eu sabia que era mais complexo e profundo do que ser só falta de vontade, ou ser gulosa, ou não ter amor próprio, etc.… tudo coisas que fui ouvindo dizerem-me... Na verdade, eu estava sem capacidade mental e emocional para lidar com o assunto. Porque, se antes da gravidez não tinha conseguido lidar com o cansaço próprios de anos de luta relacionados com a minha profissão, depois da gravidez ESTAVA 24H SOBRE 24H A CUIDAR DA MINHA FILHA E A TER DE LIDAR COM UM BURNOUT!!! (ler post aqui) Estava-me "lixando" para o excesso de peso e para a minha imagem! Eu só queria que me deixassem em paz e que NÃO ME JULGASSEM! (ler post aqui) E sabem que mais?! Aquele bolo fazia isso: não me criticava, não me julgava, não me dava-me concelhos e ouviu-me desabafar tantas e tantas vezes... era o conforto que procurava e que comi escondida e cheia de culpa milhares de vezes. Foi preciso DAR-ME tempo. Foi preciso ser no MEU tempo. E principalmente, foi preciso ACEITAR-ME para o processo de cura começar. Porque não é só uma questão de alimentação e exercício físico, foi e está a ser um processo de cura de feridas profundas.

O primeiro passo foi obrigar-me a não me esconder e a sair da zona segura onde me tinha metido. Durante algum tempo arranjei mil e uma desculpas para não ter de fazer nada. Até mesmo para não sair de casa. Não ter de socializar. Não colocar uma roupa mais gira. Maquilhar-me.  Até mesmo não ir dar uma aula ou fazer actuações. Não era só cansaço. Era também vergonha. Eu estava com vergonha de mim mesma. Cheia de culpa. Até que percebi que não tinha de ser assim. A culpa não era minha. Era da pressão que me faziam... dos olhares de desilusão que me lançavam e das indirectas que me diziam. Faziam-me sentir culpada. Foi aí que me comecei a perdoar-me. De verdade. E compreender que tinha passado uma fase de profunda transformação foi o twist que precisei para todo o processo de perda de peso começar. Nesse momento comecei a olhar-me directamente ao espelho e aceitar-me. Estava com excesso de peso sim, mas isso não fazia de mim menos capaz ou menos bonita. E saí. Do meu casulo e comecei de novo a enfrentar o mundo de cabeça erguida. Afinal, não tinha feito nada de mal nem prejudicado ninguém. Pelo contrário e a única pessoa que me poderia julgar seria eu própria. E até eu, obriguei-me a parar de me julgar e comecei a não admitir que me criticassem. Mas continuei a comer os bolos...

O segundo passo foi admitir que precisava de ajuda. Até aqui tinha feito tudo sozinha mas, chega a um ponto que, simplesmente, precisamos de ajuda profissional. E perceber que pedir ajuda não invalida a nossa capacidade. Pelo contrário, valida a nossa inteligência. E foi isso que fiz: contratei os serviços de uma profissional de nutrição. Cheguei à conclusão que estava com a alimentação completamente descontrolada - que se intensificou com os confinamentos - e que, apesar de fazer exercício físico com regularidade, não estava a ser suficiente. O fitness foi fundamental para ultrapassar o burnout e evitou que ganhasse ainda mais peso mas, emagrecer... nada. Não vou ser hipócrita e dizer que me era indiferente estar com excesso de peso. Apesar de não deixar mais que isso me condicionasse, eu queria emagrecer. Pela minha saúde, mas também pela minha imagem. Não vou negar.

Como dizem: quando tomamos uma decisão, o universo conspira a favor... e foi isso que aconteceu. No momento certo, através de uma live que o meu marido assistiu, conheci a Nutricionista Raquel Marques (@raquelsofiamarquesnutri). E nesse momento senti que era a ela a quem pedir ajuda profissional. No dia seguinte marcávamos (eu e o meu marido) uma consulta. A minha intuição estava certa. E logo nessa primeira consulta senti que me ia entender com a Raquel. Ela, muito profissional, mas muito humana, não me julgou quando subi para a balança e fiquei chocada com o numero... pelo contrário, não fez perguntas embaraçosas, não me fez sentir mal e não deu raspanetes (aqueles que estava cansada de ouvir). Escutou-me, falou-me no tom certo - houve coisas que tinha de ouvir - e deu-me um plano adequado ao meu estilo de vida e opções de alimentação (respeitou eu não comer carne, por exemplo). Ela ia ajudar-me no processo, mas estava nas minhas mãos todo o trabalho. Tudo ia depender de mim, mas saí daquela consulta pronta. Com esperança. Finalmente tinha encontrado, não força de vontade ou amor próprio..., tinha finalmente encontrado ajuda e espaço mental para ter foco e lidar de frente com o meu desequilíbrio com a comida. 

Não foi fácil e aqui começou o terceiro passo.... Foi preciso método, resiliência, paciência e querer, acima de tudo QUERER recuperar-me. Foram 8 longos meses. Mas consegui. Consegui perder 25kg. Mas, perdi mais do que peso... perdi a vontade de canalizar as minhas emoções na comida. Porque era isso que fazia: usava a comida para me calar, punir, esquecer, escapar, maltratar, confortar, celebrar, etc... A Raquel Marques foi (e é) incansável e sempre disponível durante todos estes meses. Hoje vejo que não tinha conseguido sem a sua orientação, consulta após consulta. Podia ter-me "matado" no ginásio ou o clássico "fechar a boca" sem ter resultados. Precisei de orientação, ordem e acompanhamento. E foi isso que a Raquel me deu e continua a dar porque o processo ainda não terminou. Fez-me acreditar que seria possível e foi! Aliás, foi melhor do que esperava. E aqui, parei de comer (tantos e todos os dias) bolos.

Ainda não atingi o equilíbrio. Estou no caminho. Mas aprendi o método que funciona comigo. Porque sei que vou ter de me controlar a vida toda. E esta talvez tenha sido a grande revelação: uma dependência que vou ter de controlar para a vida. Não é uma condenação. Pelo contrário. É conhecer uma das minhas maiores fragilidades para saber lidar com ela e ir conseguindo um equilíbrio. Porque sejamos sinceros: eu gosto de comer e adoro doces. Vou continuar a comê-los, mas agora, tenho as ferramentas necessárias para não me descontrolar. E mais uma vez: está tudo nas minhas mãos. E esta foi outra grande revelação: a culpa deu lugar a poder que atribuo a mim própria com a total consciência que eu sou a pessoa mais importante e mais activa da minha vida. Independentemente do que girar à minha volta, eu tenho o poder de decidir tudo na minha vida. O bom e o mal. E acho que é este o verdadeiro "amor próprio" ou o "autocuidado" ou até mesmo a "força de vontade" que vulgarmente se fala no universo do empoderamento feminino. Este é o legado que quero deixar para a minha filha: o meu exemplo. Não só de superação, mas também atitude na vida.

Por último não posso deixar de referir o "amigo secreto" que, mesmo eu tendo tentado afastar, teimosamente não me largou e acreditou em mim, mesmo quando houve momentos que tinha desistido de mim própria: a Dança Oriental. Sim. A Dança Oriental, em todo o processo de profunda transformação e cura de feriadas por que passei fez-me conectar, a cada segundo que dançava, ao meu centro. Não deixou esquecer a minha essência. A minha missão de vida. Quem eu sou. Porque houve momentos tão escuros, tão avassaladores, tão confusos que fez com que todos ao meu redor não me reconhecessem. Eu própria não me reconheci em algumas vezes. Mas a Dança Oriental sim... ela conhece-me bem. E foi ela que não me fez esquecer e ajudou a dar a volta. Não a trazer-me de volta porque nunca fui a lado nenhum. E para quem acha que estou de volta... sempre aqui estive. Estive foi a confrontar a minha sombra (e isto seria outro post) e isso, aos olhos da sociedade, não é bonito, não é instagrável (palavra que inventei), não é divertido, mas é parte da minha história. Houve muitos que não gostaram ou entenderam esta minha fase... temos pena. Mas a vida é mesmo assim.… não com altos e baixos, mas com luz e sombras. E eu não trocava a minha história por nada. Porque é minha. 

Que venha 2022! Estou pronta para continuar a escrevê-la.







Comentários

  1. Que linda! Faço minhas as tuas palavras.. tal e qual..tambem continuo na luta.. dias mais fáceis, outros mais difíceis..mas na luta .com foco!
    Muitos parabens pela força que tiveste e que tens! Beijinhos beijinhos.Maria joao Amador.

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  2. Muitos, muitos Parabéns, Sara!!
    Tomaste uma decisão tão corajosa!
    Sim, o Universo conspirou a teu favor, a tua força de vontade fez o resto!!
    Vejo-te linda e resplandecente, como sempre foste!!
    Estou muito feliz e muito orgulhosa de ti!
    Beijossss

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