Avançar para o conteúdo principal

Depois da Revelação


Falar e expor-me, em ambiente de aula perante mulheres que anseiam aprender comigo, intimida-me. E sempre me intimidou. Porque sei o peso da responsabilidade.
Ensinar esta arte é muito, mas muito mais que "passar" técnica. É conseguir ir ao encontro da alma bailante que cada aluna tem, inspirá-la e motivá-la sobressair. 
Confesso que estava nervosa. Acho que nunca, mesmo já tendo passado tantos anos, deixo de me sentir insegura e apreensiva. Não quero aplicar mal as palavras, não quero confundi-las, quero que a mensagem seja clara. Falar em publico é-me ainda, constrangedor. Mas, quando o fazemos com verdade, com sinceridade, de mulher para mulher, algo mágico acontece e tudo flui. Acho que foi isso que aconteceu na formação d`O Ventre em Nós: magia.
Vi mulheres carentes de respostas que gritam por companheirismo. Querem sentir que não estão sozinhas e que afinal, nós, profissionais somos humanas tal como elas. Poder, nestas ocasiões especiais, passar as minhas experiencias, receios, superações é... encher-me de vida. Sinto que sei, que através da minha dança, ensino e mentoria posso ajudar tantas mulheres, meninas, bailarinas a empoderarem-se. Arrogância minha? Talvez. Mas o que aprendi com este evento (sim, porque aprendo mais do que ensino) é que tenho, posso e devo valorizar-me. Não é vaidade. É mérito.
Sinto também que este é, cada vez mais, o meu caminho na dança como bailarina e como ser humano: acompanhar outras mulheres. Caminho este que tem um passado que construí a pulso, sozinha e sem orientações de outras profissionais ou mesmo de outras mulheres. Orgulho-me poder dizer que tudo que transmito quer em aula, quer em palco, é fruto de um trabalho pessoal intenso e real onde observei (e observo) onde ouvi (e oiço) mais do que falei (ou falo). Tenho desejo de passar toda esta experiencia a novas gerações de bailarinas (quer à mais jovem à mais madura) e dar o que não me deram: pura amizade, respeito e admiração.
Ter voltado a atuar foi... como ter voltado a sentir o calor do sol na pele. É energizante. Quando se nasce bailarina, o seremos toda a vida. Querer anular esse meu eu, é o mesmo que morrer aos poucos. Que saudades tinha... dos bastidores, do convívio no vestiário, dos sons das decorações dos trajes, do cheiro da maquilhagem, dos nervos miudinhos, do stress em estar tudo pronto, dos risos. O sentir da adrenalina segundos antes de pisar o palco. Dançar e permitir que seja uma explosão de energia numa especie de linguagem sagrada e depois, a compensação que é ouvir as palmas. Adoro tudo que tem haver com espectaculo: o antes, o durante e o depois.
Como já tinha dito, este palco d´O Ventre em Nós seria não só especial por ser um recomeço ao lado de mulheres que habitam no meu coração mas também, porque a minha pequena Raquel foi ver-me dançar pela primeira vez. Ouvir dela no final: "Mãe, foste tão maravilhosa" foi o elogio mais genuíno que alguma vez tive. O olhar dela enquanto dançava disse-me tudo, valeu-me tudo e compensou tudo.
São deste momentos e de eventos como este que vejo materializar-se o que sempre sonhei como bailarina de Dança Oriental. Sei que vou ter de continuar a triar caminho e inventar ( e reinventar-me) palcos e trabalho... vida de artista eternamente insatisfeita como eu sou é mesmo assim. Há que aceitar. E vocês, mulheres, saibam que não estão sozinhas... é só me contactarem.



Comentários

  1. Sara, este é o melhor texto que já publicaste.
    Transpareces em cada frase, que espelham tão bem quem és.
    Podes e deves continuar a ensinar, a partilhar o teu amor, o teu sentir, podes e deves mostrar, sem receio, a tua dança, o teu corpo, deixando que ele, através da interpretação da música, irradie a tua beleza interior e exterior.
    Tu contas histórias dançando, é fácil sentir o teu sentir em cada passo.
    Dançando mostras a mulher bela e poderosa que levas contigo, dançando Sara, mostras, desde sempre, o melhor de ti.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida Mar, grata pelas tuas palavras. Acompanhaste todo o meu percurso. E é tão bom ter-te conhecido. Uma aluna que se tornou uma amiga. Obrigada.

      Eliminar
  2. Minha querida Sara já quando lecionavas aulas no ginásio da Cidade Universitária eras fantástica, sensível e já sabias ler o ser humano...As últimas palavras e conselhos que deste na última aula ainda hoje os uso. Só tenho pena que não voltes a Lisboa e só estejas em Oeiras...sabes do que falo. És uma excelente e sensível mentora que lê—nos por dentro e por fora, davas uma excelente psicóloga e terapeuta da alma e do coração...é um dom raro. Beijinhos

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Afinal o que é ser humilde...

As bailarinas ouvem muitas vezes a palavra humildade, que temos de ser, viver e actuar com humildade. Concordo plenamente... Mas o que é humildade? E quem é que pode dizer a outro tu és e tu não és humilde? Socialmente uma pessoa humilde não ostenta riqueza nem vaidade, procura ser útil mas discreto e pede ajuda fazendo questão de dizer que não sabe tudo. Que pessoa humilde seria esta! E quase perfeita... Lamento desiludir, mas não tenho todas essas características! Sou humana, tenho defeitos e muitos... como todos vocês! Para mim, humildade é um valor que se adquire logo na infância e se desenvolve ao longo da vida. Mas acho que há vários graus e muitíssimas definições de humildade. O que pode ser para mim uma acção humilde para outro é algo bem diferente. Quantas vezes agimos ou dizemos algo que pensamos, que é natural aos nossos olhos, mas somos logo julgados: "Não és nada, humilde!" Penso: como bailarina, posso ser humilde? Vocês dir-me-ão: Claro! Tens mais é que ser h

Então, o que basta?

Desde que me lembro, oiço dizer que, para dançar é preciso gostar mesmo. Ter Amor, Paixão pela Arte da Dança. Concordo. Cresci a ouvir isto. Mas, basta?...  Hoje, depois de tantos anos dedicados à Dança, eu acho - melhor, tenho a certeza - que não.  Então, o que basta?... Sinceramente?!... Tudo. Danço desde sempre. E desde sempre, o meu Amor pela Dança impulsionou-me a continuar. Foi assim com a minha primeira paixão: o ballet e que continuou para a Dança Oriental onde foi "Amor à primeira vista." Tal como num casamento, a paixão inicial transforma-se num Amor. Amor este que se tornou profundo, amadurecido e, também calejado.  Manter uma relação, não é fácil nem romântica como se idealiza, muito menos incondicional. É necessário esforço, dedicação, responsabilidade, sentido e condições. Definitivamente, só o Amor não basta. Na Dança, sinto que é igual. É uma relação entre a bailarina e a sua arte. Há que investir nesta relação para que o Amor - base fundamental SIM - não fiqu

Outro pecado, defeito ou talvez virtude

Não consigo ser hipócrita e cínica. Danço aquilo que sinto... e não há volta a dar. Por mais que tente, não consigo, fingir que estou alegre quando estou triste, gostar quando não gosto, rir quando me apetece chorar, mentir quando me quero dizer umas verdades. Sinceramente até hoje não sei se isto é uma virtude ou defeito. Ao longo da minha vida poucas não foram as situações em que se tivesse sido hipócrita tinha ganho mais, em que se o cinismo falasse mais alto tinha evitado inúmeras "saias justas". Muitas vezes a minha mãe e até marido dizem-me que não posso ser tão directa em certas situações, que às vezes a minha antipatia com quem não gosto é-me prejudicial. Dizem-me "finge" e eu respondo "é pá, não consigo" e não dá mesmo! Confesso que alguns comentários que dou, resposta impulsivas, atitudes de mau humor caem-me mal e transpareço uma brutalidade que não é totalmente verdadeira. Quem não me conhece fica a pensar que sou arrogante, antipática, conven